Lord Keynes: Teoria e Crítica

Pedro Ruas
8 min readApr 1, 2020

A linguagem de Keynes não é fácil e os professores geralmente não se preocupam em facilitar isso. Esse texto é uma interpretação pessoal que visa facilitar o entendimento sem perder a real lógica por trás de uma das maiores discussões da economia.

Para entender a lógica de Keynes é preciso pensar a economia como um equilíbrio entre oferta e demanda. A princípio cada mercado se auto-regularia para equilibrar os dois lados, se todo o mercado faz isso a economia se equilibra ao nível de pleno emprego. A Grande tentativa de Keynes foi a de demonstrar que quando olhamos todos os mercados de forma conjunta, as ofertas e demandas agregadas podem não se equilibrar devido a alguns fatores.

Para entender isso apresento alguns desses fatores a seguir:

Não neutralidade da moeda: Na economia clássica o aumento da oferta de moeda não geraria mudanças na economia, apenas inflação. Esse conceito é chamado de neutralidade da moeda. Para Keynes, uma mudança na quantidade de moeda na economia afeta variáveis reais, ou seja, um aumento da oferta de moeda não gera só inflação também pode gerar crescimento.

Rigidez de preços: A oferta de mercadorias se ajusta à demanda a partir da flutuação dos preços. Porém, alguns preços demoram mais a se ajustar, são rígidos. Trabalhadores podem não aceitar a queda de salários, por exemplo. Se os preços não mudam, empregadores optam por demitir funcionários aumentando o desemprego e impede a economia de se ajustar. A dificuldade dos preços se reajustarem explicaria parte do motivo da demora da economia voltar ao patamar natural. O conceito de rigidez de preços é importante para entender porque a expansão monetária poderia gerar crescimento. Ao gerar inflação os preços que estão rígidos diminuem em relação a todos os outros. Isso força sua flutuação para baixo reequilibrando esses setores. Essa explicação é um dos motivos para que a moeda não seja neutra.

Demanda efetiva: Na época alguns economistas acreditavam que era improvável haver uma crise de superprodução pois pela “lei de say” toda oferta tem uma demanda equivalente. No entanto, Keynes demonstra que essa demanda poderia vir a não se efetivar abrindo espaço para uma superprodução. A crise de 1929 seria um exemplo disso.

Entesouramento ou preferência pela liquidez: A moeda é o ativo mais líquido (mais fácil de trocar) que temos, dessa forma, em momentos de grave incerteza e risco poderia acontecer das pessoas verem a moeda como um ativo mais seguro, assim, parte do dinheiro sairia de circulação da economia..

Pela teoria clássica isso é pouco provável. O que acontece é que com a diminuição do consumo, mais dinheiro vai para os bancos ou outros ativos, assim a poupança aumenta e a taxa de juros cai aumentando investimento e consumo. O dinheiro, nessa visão, permanece circulando e a economia em equilíbrio. Poupança e investimento se equilibram pela flutuação da tx de juros (S = I).

Porém, se as pessoas tiram o dinheiro do banco, parte da moeda deixa de circular no sistema financeiro, o que efetivamente gera um desequilíbrio entre poupança e investimento.

Assim, na visão keynesiana o dinheiro pode ser guardado e não retornar em forma de investimento S ≠ I. Para ele a taxa de juros não é um resultado do equilíbrio entre poupança e investimento, os juros não refletem a preferência intertemporal do consumo como na teoria clássica. Na verdade, o juro seria um equilíbrio entre oferta e demanda de moeda. Caso as pessoas passem a não gastar, aumentem sua preferência pela liquidez guardando sua riqueza em forma de moeda ou algum ativo parecido, a diminuição do consumo não refletiria num aumento do investimento o que impediria o reequilíbrio do mercado.

Espírito animal e eficiência marginal do capital: como a expectativa de lucro é muito baixa (eficiência marginal do capital é baixa) os empresários têm uma aversão ao risco e por isso podem não voltar a investir, o medo de tomar risco é visto como uma queda no “animal spirit” do empresário. Mesmo com uma expansão monetária e a queda da taxa de juros o investimento pode não retornar pelo medo do risco.

Taxa de juros: a taxa de juros não se reajusta sozinha ao nível de poupança e investimento. Para ele a taxa de juros é um equilíbrio entre oferta e demanda por moeda. Assim pode ser preciso que o governo aumente a oferta de moeda para que a taxa de juros reequilibre o nível de poupança e investimento fazendo a economia retornar ao “normal”.

Em Resumo:

Na visão de Keynes a rigidez de preços, a preferência pela liquidez e o medo do risco gerado pela baixa eficiência marginal do capital impediriam a economia de retornar ao equilíbrio. Esses fatores fariam a demanda agregada esperada não se efetivar gerando um excesso de oferta de mercadorias e impedindo assim a economia de sair da crise. As políticas monetárias e fiscais agem de forma a elevar a demanda de volta ao equilíbrio.

Saindo da crise:

Apesar de dar importância para política monetária, Keynes a trata como algo secundário. Por isso, talvez não seja correto dizer que ele dizia simplesmente para imprimir dinheiro. Ele na verdade dava muito mais importância para a política fiscal defendendo o aumento dos gastos do governo em casos de grandes crises. Chegou a chamar isso de “socialização dos investimentos”

É importante frisar que para Keynes o gasto do governo tem um efeito multiplicador, esse efeito pressupõe que o aumento dos gastos do governo geram um aumento ainda maior da renda (PIB) e por consequência do consumo. Além disso, para ele o aumento do investimento também gera um aumento da poupança.

Política Monetária: a expansão monetária age de forma a criar inflação, isso faz com que os salários reais passem a valer menos, dessa forma essa política força uma flutuação no sistema de preços que não seria possível sem ela. Além disso, ela pode reequilibrar o investimento e a poupança, já que o equilíbrio entre os dois seria dado pela demanda e oferta de moeda.

Política Fiscal: Ainda que a política monetária possa ajudar, a aversão ao risco e a preferência pela liquidez pode ser tão alta que ela não seria suficiente. Assim, a política fiscal geraria um ganho na renda e um aumento no consumo. A eficiência marginal do capital volta a subir e os empresários deixam de ter tanta aversão ao risco, retornando assim ao equilíbrio.

Ou seja: A política monetária e sobretudo a fiscal fariam a demanda efetiva retornar ao seu patamar de equilíbrio de pleno emprego por afetar a rigidez de preços, a eficiência marginal do capital e a preferência pela liquidez.

Críticas:

Parte da abordagem keynesiana e a ideia de políticas anti-cíclicas foi absorvida pela ortodoxia desde seu início dentro dos modelos IS-LM de Hicks que ficou conhecido como síntese neoclássica, que unia a abordagem clássica à keynesiana tratando esta como um caso particular dentro do modelo. Porém, a economia como ciência evolui a todo momento fazendo mudanças nos modelos vigentes.

Política monetária: inicialmente alguns modelos como o de Philips, usado pelos neokeynesianos, presumiam uma relação entre aumento da inflação e diminuição do desemprego. No entanto, com os conceitos de expectativas adaptativas e racionais de Friedman e Lucas, ficou evidente que essa política tem limitações. No longo prazo, a política monetária não afeta o desemprego e dado algumas condições mesmo no curto prazo essa política pode também não funcionar. Se usada de forma demasiada pode gerar desequilíbrios no mercado e até problemas de inflação alta com estagnação econômica.

Alguns pós-keynesianos também defendiam que a inflação não era um fenômeno monetário, na verdade a inflação seria um fenômeno estrutural de algumas economias. No entanto, os trabalhos de Friedman, Lucas e muitos outros economistas mostram empiricamente a relação entre aumento da oferta de moeda e inflação, sobretudo no longo prazo, próximo ao que previa originalmente a teoria quantitativa da moeda.

Com os novos-keynesianos e o consenso atual, a rigidez de preços realmente torna a política monetária efetiva no curto prazo, pois os preços demoram a flutuar. A inflação faz com que alguns preços rígidos percam valor, flutuando de forma forçada para baixo, assim o equilíbrio entre oferta e demanda em alguns mercados ocorrem de maneira mais rápida. Porém, essa visão difere de alguns keynesianos da época que viam os fatores elencados como suficientes para causar uma estagnação secular abaixo do nível de pleno emprego.

Na época uma das primeiras críticas vem de Arthur Pigou, que foi contra essa ideia demonstrando que por mais rígidos que os preços sejam, em algum momento eles irão flutuar. Efetivamente, há economias onde os mercados são realmente muito rígidos. Apesar de no curto prazo a política monetária ser o mais recomendado, num caso tão extremo a melhor opção de longo prazo são reformas institucionais para tornar o mercado mais dinâmico e menos dependente da política monetária.

Política Fiscal: no fundo o dinheiro do governo não sai do nada, ele pode vir de três formas;

1) via empréstimo

2) com aumento de impostos

3) pelo aumento da oferta de moeda.

Aumento de impostos podem gerar depreciação econômica. O aumento da taxa de juros, gerado pelo aumento da dívida do governo também. O mesmo vale para o aumento da inflação gerado pelo expansão monetária. Esse fenômeno é chamado de crowding out negativo, quando os gastos do governo geram aumento da renda num período, porém outros fatores fazem ele retornar ao patamar inicial, tornando a política inócua.

Sendo assim, a política fiscal pode funcionar no curto prazo, caso anteriormente haja controle da inflação e das contas públicas. No longo prazo o efeito é mais difícil de ser captado, já que provavelmente em algum ponto haverá um aumento de impostos ou algo do tipo como reflexo dessa política. Se a economia não tem controle sobre inflação e gastos o aumento pode piorar a inflação.

A explicação da efetividade da política fiscal se dá pelo efeito multiplicador, onde o gasto do governo gera um aumento ainda maior da renda do país. Porém, nem sempre o efeito multiplicador tem esse poder, quando é abaixo de 1 ele não se reflete em crescimento, como acontece em algumas economias da América Latina. Os fatores para isso podem ser os listados acima, mas também existe uma discussão sobre como acontece o efeito renda. Nem sempre um aumento da renda se traduz em aumento do consumo, esse fator altera a efetividade da política fiscal e deve ser levado em consideração.

Economia Política: dar capacidade do governo fazer políticas anticíclicas pode dar mais abertura para governos populistas gastarem em benefício próprio. Por exemplo, um país sem regras fiscais rígidas, acaba sucumbido a uma economia constantemente deficitária, pois para os políticos, gastar é quase sempre uma forma de ganhar votos. O mesmo vale para países onde o governo tem muito poder sobre o banco central, o que pode gerar políticas inflacionárias. Em boa parte esse é o caso da América Latina. Sem regras fiscais e monetárias rígidas, há pouco incentivo a agir de forma prudente gerando economias deficitárias e inflacionárias. Dessa forma, tanto a política monetária e fiscal devem ser limitadas para que não caiam nas mãos de políticos populistas.

Misallocation: crises fundamentalmente vem de alocações de recursos ineficientes ou mudanças estruturais inesperadas. Dessa forma, crises podem ser caracterizadas como momentos onde o mercado tenta realocar recursos que anteriormente vinham sendo feitos de maneira inadequada. As intervenções do governo podem diminuir o impacto das crises, mas não devem impedir que o mercado tente se adequar a novos cenários ou concertar erros acumulados. Empresas podem quebrar por simples ineficiência e isso faz parte de uma economia saudável.

Conclusão:

Keynes quebrou grandes paradigmas econômicos algo extremamente difícil em qualquer ciência. Ainda assim, muitas das suas afirmações se mostraram não tão efetivas. Em minha opinião considero que a “teoria geral” dele não era tão geral quanto imaginava, na verdade se aplica a situações bem específicas como ficou caracterizada desde os primeiros modelos da síntese neoclássica. Ainda assim, sua influência e contribuição é evidente e importante dentro do campo econômico, a abordagem macroeconômica e o uso conceitos criados por ele, hoje são impossíveis de serem ignorados e essenciais em certos momentos.

Como diria Milton Friedman, “In one sense, we are all Keynesians now; in another, no one is a Keynesian any longer. We all use the Keynesian language and apparatus; none of us any longer accepts the initial Keynesian conclusions.”

Pedro Bento Ruas

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